quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Vácuo


No ermo de mim
Busca a paixão
Uma morada que lhe acolha
Um lugar de descanso para o fim.
Nada há de abrigo no peito
O vazio preenche o todo
Da alma ao corpo
Largado sobre o leito.
Além das paredes
O mundo jaz deserto
Universo sem vida
Que valha a pena ser vista.
Pulsa ainda a veia aorta
Recusa-se, o coração, a morte
Resiste a mente a crer
Na realidade inconveniente.
Um zumbido se faz canção
Um sussurro revela segredos
Em palavras consumidas
Na absoluta solidão
                [Do céu da boca que tudo cala.]

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Contramão

O peso de ser nada
No pensamento
E no coração de alguém amado
Equivale à pena de ser aço
Em uma âncora perdida
Num deserto
De ondas petrificadas.
Queira a alma do navegante
O abraço afetuoso
Dos ventos cálidos de agosto
E a brisa sedutora de seu hálito.
Inútil é sonhar alegrias
Com o coração em pedaços.
Da confiança rompem-se os cordames
E já o amor naufraga
Bem antes do primeiro beijo
No porto frágil de esperança.
O que há de consolo neste molhe
É aquela vaga lembrança
O sutil toque de mãos
Num incidente casual
De quem na vida
Anda sempre na contramão
Da arisca felicidade.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Carpe Diem


No outono grávido de um inverno bastardo
Calam-se os pássaros nas cumeeiras
E nos céus recolhem-se as estrelas
No silêncio denso da madrugada
Os galos esquecem as auroras
Não há tempo para lágrimas
Por trás das janelas cerradas
Corações apaixonados naufragam
Longe dos olhos amados
Um cão atravessa a noite fria
A lua despedaçada pendurada na boca
Sangra dores novas e antigas
No coreto da praça central
Os andarilhos assistem extasiados
A morte sacrificial dos sonhos virgens
Em honra da realidade premente
Para quê serve a utopia, mãezinha?
Para que a vida não se perca, criança,
Antes mesmo de germinar a semente
A esperança que alimenta
As almas de tudo o que é gente.
O relógio da matriz badala
Impondo o despertar inevitável
De mais uma segunda-feira ranzinza
Uma buzina na esquina
Uma porta range
Uma sirene
A fome e a faina
Um cheiro de café
Dispersa última neblina.



 

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Última luz

Quando o tempo passa
Sua sombra imprime-se na face
As cores da pele descascam
Em rios secos, rugas fartas,
Pelas bordas desbasta-se
As margens da juventude gasta
É a vida que mingua em jorros
Cada dia mais caudalosos
A voz se afoga no lago plácido
Do esquecimento rápido
Eis que acena na última curva
A silhueta infantil da morte
Esta criatura fascinante e misteriosa
Que na consciência profunda  se oculta
Enquanto espera para nascer 
                                [Já irremediavelmente velha]
Na última luz dos olhos baços
Antes do adormecer absoluto.


quinta-feira, 7 de junho de 2018

Caminhos

Cada amanhecer é um ir-se,
Um passo adiante rumo ao eterno,
No coração o sonho agasalhado,
Nos olhos a luz da esperança.

Cada entardecer é um chegar-se,
D'alguma viagem constante e sem volta
Por horizontes antigos e remotos,
A mala do peito pesada de saudades.

Cada anoitecer é um despedir-se
Do que já se esvai
Entre os dedos do presente,
Os encontros fortuítos e amores andarilhos.

Cada adormercer é um esquecimento
Do amanhã que será hoje
Levado por esta nau sem âncora
A que damos o nome de Tempo.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Perdas e Ganhos

Ruminar dores de amores abandonados
Em noites sem lua e em manhãs nubladas
É cultivar cardos nos jardins da alma
É semear fogo em campos de alegrias.
Derramar lágrimas em despedidas
De véspera anunciadas
É lançar pérolas ao pântano
É despetalar rosas de esperança.
Antes o coração franqueado
Aos amores vindouros
Em manhãs de verão ensolarado
Em noites estreladas de inverno.
Quero plantar na alma
As sementes de sonhos felizes
E recobrir o corpo de chuvas de risos
Agasalhar a alma em abraços de chegada.
Pois que libertar a paixão
- Que se entristece em ficar
É tão bom quanto receber o amor
- Que não deseja partir.

domingo, 3 de junho de 2018

As Pedras

Pedras são úteis para loucos e para construções
Pavimentam caminhos de sonhos
Afastam cães ferozes 
E os opressores dos povos
Pedras se prestam bem a leitos de rios
E também a esconderijos de sapos e rãs
Dizem os sábios que pedras são ótimos digestivos
E contrapesos para os voos das aves
Pedras são também perfeitas para eternizar poemas
E para armas de matar gigantes maus
Ouvi dizer em burburinhos que que certas pedras
Dão excelentes sopas em tempos durissimos
E que polidas viram até jóias raras
Que enfeitam orelhas e dedos de belas moças
Pedras são duras e ainda assim, dão ótimos travesseiros
Para poetas enemorados pela lua
Em noites de insônia e ardentes desejos.

Céu e Terra


No asfalto, jorra o suor,
Lágrimas e sangue
Agonizam almas de homens
                        [Sem sonhos]
Prisioneiros de seus medos.
No azul do céu translúcido
Espelha inefável esperança,
A liberdade eterna dos que crêem
Em causas justas
Pequenas ou hercúleas
E que nunca se entregam

                          [ao desespero]
Não desistem dos outros

E muito menos de si mesmos.
.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Corda Bamba

 



Sobre os ombros da alma

Trás em si o peso impossível

Um universo inteiro em conflito

Basta desta fadiga

O palhaço na corda bamba

Em busca de aplausos escassos

Aos olhos da plateia

Assim como ela, agoniza

Alienada vida a passar

Como mero desfile de circo. 

23/01/2018

Todos os direitos reservados ao autor

Até a eternidade

Eu quero morrer assim
Ao sul de seu corpo
Em um prazer catártico
Como o sol
Ao beijar a boca da noite
Incendiando os horizontes
Nos fins de tarde de verão

Eu quero me perder
Como se perdem as folhas amarelas
Arrancadas do topo dos olmos
Pela brisa gelada do outono
E ficar a seus pés
Para alimentar
Seus desejos e sonhos mais íntimos

Quero cegar meus olhos
Como as nuvens de chumbo
Apagam a lua no inverno
Para ver apenas o mundo
Por meio de suas mãos de fada
E ser guiado por sua voz de pássaro distante


Eu quero, 

eu quero morrer assim
Ao sul de seu corpo
Como as folhas amarelas

Arrancadas dos olmos
Quero cegar meus olhos
Como as nuvens invernais
Em um prazer catártico
Estendido aos seus pés
E ser guiado pela sua voz
Até a eternidade.


17/10/2017



Hasta La Eternidad


Quiero morir así
al sur de su cuerpo
En un goce catártico
Cómo el sol
Cuando besa la boca de la noche
En el poniente en llamas
En las tardes de verano

Quiero perderme de mí
Cómo se pierden las hojas amarillas
Arrancados a las copas de los olmos
Por la brisa fría del outuno
Y a tus pies quedarme
Para alimentar
Tus más íntimos deseos y sueños

Quiero cegar mis ojos
Cómo las nubes de plomo
Que apagan la luna de invierno
Para sólo ver el mundo
Por tus manos de hadas
Y por tu voz de pájaro lejano


Quiero, quiero morir así
Al sur de su cuerpo
Quiero perderme de mí
Como las hojas amarillas de los olmos
Quiero cegar mis ojos
Como las nubes de plomo
Para en un goce catártico
Estar a tus pies
Guiado por tu voz de pájaro
Hasta la eternidad


Todos os direitos reservados ao autor

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